Temos visto um crescimento do número de pessoas que querem se envolver com aconselhamento ou de alguma forma ajudar às pessoas.
O sofrimento humano e o aumento das doenças psicossomáticas (que começam no emocional e refletem no corpo) têm sido algumas das causas da relação de ajuda tornar-se cada vez mais necessária.
Entretanto, há uma falta de pessoas capacitadas para exercerem algum tipo de auxílio. Em alguns casos, a boa vontade em ajudar já resolve o problema. Mas em outros, precisa-se de certo preparo ou até que um profissional tome conta do caso.
Dentre as práticas do aconselhamento, talvez a mais difícil seja a “Escuta”. Neste texto, vamos analisar “o que é e o que não é” a Escuta, além de “como executar” uma boa Escuta.
1. O que é a ESCUTA?
“O caminho mais curto de si para si mesmo, passa pelo outro e a escuta de si, passa pelo fato de ser escutado pelo outro” (Poujol).
A escuta, implica em analisar o que alguém diz e por que diz. Portanto, é mais do que ouvir. É permitir que o outro conte e revele-se ao conselheiro, através da linguagem.
A fala, como uma das formas de comunicar-se ao ouvinte, é um fenômeno que permite a melhora da pessoa, simplesmente pelo fato de estar falando. Escutar é ajudar o outro a ajudar a si mesmo.
A linguagem humana é mais que uma troca de informações ou conhecimentos. Os animais comunicam-se entre si através de sinais, sem liberdade de interpretação pelo outro animal que recebeu os sinais. Na linguagem humana, o outro que ouve, entende de diversas maneiras. Há liberdade de expressão, de revelar-se, de troca e ajuda mútua.
Um fundamento básico da escuta encontra-se no fato de que cada um possui em si mesmo os meios de resposta aos seus problemas. Assim, a escuta centraliza-se no aconselhado e não apenas em seus problemas. É como se a pessoa, simbolicamente, pendurasse suas dificuldades, assim como, “pendurasse o seu casaco” . Ele pode falar livremente, quando e como quiser, pois quem faz o aconselhamento, deve renunciar as atitudes como: explicar, convencer, responder e justificar.
A escuta deve se dar em 4 níveis:
- os fatos: a história, os acontecimentos, tal como a pessoa se lembra.
- os sentimentos: o que foi sentido emocionalmente.
- o comportamento: as atitudes, os gestos, os esquecimentos, as reações.
- o seu interior: como tudo isso repercute em seu interior.
Escutar exige saber diferenciar-se do outro. Ter uma personalidade independente do outro. Separar seus sentimentos e desejos, aquilo que é seu e o que é o do outro. O que você sente ou pensa no momento da escuta, lhe pertence. É preciso despojar-se dos preconceitos, questionamentos e estar disposto a querer ouvir, permanecer atento, estar disponível.
Não é preciso simpatia (sentir o mesmo que o outro), mas empatia, perceber os componentes emocionais, como se fôssemos a pessoa que ouvimos, mas sem perder a condição “como se”. É ter uma presença calorosa e, ao mesmo tempo, não emotiva. Não ter repostas prontas, mas demonstrar, que se pode contar com você. (Carl Rogers).
O ouvinte deve ser digno de confiança, demonstrar afeição, interesse e respeito. Ser capaz de aceitar o outro com suas diferenças, aceitá-lo como ele é. Compreendê-lo como alguém que não está pronto, mas está sendo transformado por Deus.
2. O que a ESCUTA não é?
A escuta não é uma troca de opiniões e considerações. Nem uma conversa calorosa, com argumentos e objeções. Não é uma série de confissões. O ouvinte não está num confessionário, que julga, pune, perdoa. Está ali para ser compreendido em seu sofrimento.
Não é um monólogo. Se a pessoa diz: “Não consegui dizer uma palavra”, é porque o conselheiro, por desejo de poder ou insegurança, discursou mais do que ouviu.
Não é um interrogatório. Se a pessoa que fala é bombardeada por perguntas, ela sente-se inferior, sob suspeita, fica ansiosa, pode sentir hostilidade pela curiosidade do ouvinte, deixando de expressar questões importantes.
Não é julgamento moral. Quando o conselheiro é impaciente e pressiona, explorando alguma norma moral quebrada, quem fala sente-se julgado e acuado. Pode se revoltar e sentir-se mais culpado e perdido. É preciso perceber o momento certo de dar uma opinião pessoal. Geralmente a pessoa sinaliza, quando quer ser avaliada. Devemos procurar dizer a coisa certa, na hora certa, para colher os frutos certos.
Não é paternalismo ou maternalismo. O consolo trás alivio imediato. Estes momentos devem ser de curta duração, pois pode criar uma dependência afetiva e deixar o aconselhado passivo.
Não é propor soluções imediatas e decidir pelo outro. Exceto em casos de extrema urgência, como por exemplo, pensamento suicida. A melhor atitude é a compreensão e levá-lo a pensar sobre o conflito, estimulando a pessoa a achar saídas para o problema. Exemplo: “Você está vivendo um conflito muito grande e parece que não está sabendo como resolvê-lo”. A pessoa neste momento sente-se estimulada a falar mais e enquanto fala, pode ir percebendo maneiras de resolver a questão.
3. Executando uma boa ESCUTA
A escuta permite que quem fale, possa ouvir o que ele mesmo diz, proporcionando assim alivio para a tensão emocional. Carl Rogers acredita que os únicos conhecimentos que podem influenciar eficazmente o comportamento de uma pessoa, são “aqueles que ele descobre por si, apropriando-se deles”.
. Rogers apresenta algumas técnicas de como realizar este procedimento: o reflexo, modificar a percepção e a clarificação.
O Reflexo
Consiste em fazer uma paráfrase (dizer o mesmo, em outros termos) do que a pessoa quis dizer. Usar frases como: “Então para você …” , “Em outras palavras…” , “Você quer dizer…”
Exemplo: “Eu me sinto sem forças, não aguento mais, vou explodir”. A tentação seria perguntar: “Por quê?”.
Uma resposta possível: “Se estou entendendo, você se sente por um fio”.
– “Ah, é assim que eu me sinto!”. A pessoa vai se sentir compreendida, aliviada e motivada a continuar a se expor.
Modificar a percepção
A pessoa que sofre, tem a tendência de ficar prisioneira a um aspecto da situação em que está. Não é capaz de ampliar sua visão e ver outros lados da questão. É preciso dar a possibilidade de modificar sua percepção.
Exemplo: “Entre os membros da minha igreja, eu posso contar apenas uns dois ou três, com quem eu possa ter uma conversa inteligente”.
Reformulação feita pelo conselheiro:
“Com relação às pessoas para conversar, quando se trata do ponto de vista, como da inteligência, você sente-se sozinho em sua igreja.”
Esse tipo de resposta exige um tom de empatia, caso contrário, pelo efeito do choque que a pessoa sente, ela pode pensar que você está ironizando. O importante é fazer com que o aconselhado possa ver a situação de outro modo. Em 2Samuel 12, o profeta Natã, utilizou desse método quando foi até Davi para falar do adultério.
A Clarificação
É mais uma forma de devolver ao aconselhado o que ele diz. Precisa-se de uma certa intuição do conselheiro, pois muitas vezes o discurso é confuso e há o risco de querer interpretar o que a pessoa diz. Devemos apenas “clarear” o que está confuso, para que a pessoa chegue às suas próprias conclusões.
Exemplo: “Minha irmã quer sempre ter a última palavra sobre tudo. É uma pretensiosa. Quando ela chega, eu já digo tchau e saio”.
Utilizando a Clarificação:
“O aspecto central do problema não é a maneira de agir de sua irmã. É o fato de que as atitudes dela afetam negativamente você e então você prefere desaparecer”.
Estas são pequenas sugestões para facilitar a ajuda a alguém que sofre. O conselheiro deve sempre ter em mente que ele não é o salvador, nem um pai, mas é parteiro. É recompensador ver a pessoa que lhe pede ajuda tornar-se responsável por si mesmo e reconstruir sua história pessoal.
Vale a pena refletir sobre a citação de Dietrich Bonhoeffer: “O amor ao próximo começa com o aprendizado de sua escuta”.
Indicações Bibliográficas:
- Collins, Garry, Ajudando uns aos outros pelo aconselhamento. SP: Ed. Vida Nova, 2003.
- Poujol, Jacques e Claire, Manual e Relacionamento de Ajuda, SP: Editora Vida Nova, 2006
- Rogers, Carl R.- Psicoterapia e consulta psicológica, SP; Ed Martins Fontes, 1987
- Seamands, David. A cura das memórias, SP: Mundo Cristão, (s.d.)
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