Escrito por: Carlos “Catito” Grzybowski.
Ana chegou ao consultório, acompanhada de sua mãe. Era uma adolescente de 16 anos, bastante obesa e com muitas espinhas no rosto. Logo que começamos a conversar percebi que ela era pouco comunicativa e que todas as perguntas que eu dirigia a ela, a mãe se encarregava de responder.
– Ela é muito tímida! – repetia a mãe constantemente.
Terminada aquela entrevista, eu pedi que Ana retornasse a uma segunda conversa sozinha. Nesta segunda conversa ela foi aos poucos se soltando e, apesar de estar sempre cabisbaixa e com um riso nervoso constante, conseguimos interagir bem mais. Nos encontros que se sucederam Ana já pode expressar um pouco mais de seus sentimentos e não se mostrou como a mãe insistia em descrevê-la: TÍMIDA!
Podemos pensar um pouquinho no que aconteceu. Timidez é doença? Pelo menos este foi o motivo pelo qual a mãe trouxe Ana ao consultório.
O grande psicólogo Carl Gustav Jung, no início do século nos apresentava uma teoria dos temperamentos, na qual descrevia dois tipos básicos: os extrovertidos e os introvertidos, sendo estes últimos os que reputamos por pessoas tímidas. A idéia embutida em todas as teorias sobre temperamentos é que as pessoas já nascem com certas predisposições para comportar-se desta ou daquela forma.
No meio cristão, o famoso autor Tim la Haye fez muito sucesso na década de 80 (em alguns lugares faz até hoje), com seus livros sobre temperamento controlado pelo Espírito Santo, no qual ele retoma, não a teoria do início do século de Jung, mas a teoria do milênio passado de Hipócrates e divide as pessoas em 4 temperamentos. Muito comum então era, no início dos anos 80, encontrar pessoas que se auto-explicavam (ou auto-escondiam) através dos temperamentos de La Haye / Hipócrates, e ainda aqueles que queriam sempre explicar o comportamento dos outros pelos mesmos pressupostos.
O comportamento humano não é algo que se esgote em explicações simplistas, que muitas vezes causam mais danos que benefícios (um destes é a pessoa tentar desculpar-se de todos seus maus comportamentos através de teorias deterministas: “eu nasci assim…”).
A grande questão em jogo é saber: nascemos com comportamentos pré-determinados ou nossa personalidade é resultado de um longo processo de interação com diversos sistemas que nos influenciam e são influenciados por nossa presença de forma dialética?
A timidez é um bom recurso para respondermos esta questão!
No caso de Ana que eu citei acima, sua “timidez” era, na verdade, uma resposta equilibrada à sua interação com a mãe. A ansiedade da mãe fazia com que ela falasse compulsivamente, não dando espaço para que a Ana pudesse se expressar, o que causava um desequilíbrio na forma de expressão desta última.
As famílias são um sistema de relacionamentos que busca constantemente um equilíbrio em suas formas de interação. Este equilíbrio é dinâmico e está sempre buscando novas organizações. Gosto de ilustrar sempre a família como se fosse um “móbile”, daqueles que penduramos de enfeite no quarto do bebê. É algo em equilíbrio, mas ao mesmo tempo em constante movimento, com os elementos ligados entre si por meio de fios invisíveis. Quando tocamos em um elemento do móbile, todos os outros são afetados.
No caso da timidez o que ocorre é o que denominamos de ‘POLARIZAÇÃO’. Que é isto? Explico: uma polarização é uma forma de busca de equilíbrio dentro do sistema no qual elementos distanciam-se em direções opostas a fim de que todo o sistema possa continuar harmoniosamente. Seria como se uma peça do móbile fosse colocada mais para a ponta da trava que a sustenta e logo a peça que fazia o contrapeso tem que ser afastada também para a extremidade para que se alcance novamente o equilíbrio.
Quando um elemento na família ocupa muito espaço social (fala muito, toma muitas iniciativas, etc.) os demais membros, ou pelo menos um membro específico, terá que equilibrar isto apresentando algum tipo de retração social – o que popularmente conhecemos por TIMIDEZ!
Assim, como no caso de Ana, a timidez pode ser provocada, não por fatores biológicos, mas por fatores interacionais. A mãe de Ana falava por ela, era sua boca – não havia sentido de Ana ocupar um espaço que já estava ocupado. Ela ocupava o espaço do silêncio, que provavelmente não era ocupado por ninguém na família. Assim a mãe “falava pelas duas” enquanto Ana “calava pelas duas”, isto é uma polarização.
Se a timidez tivesse apenas componentes biológicos, seria determinista, ou seja, seríamos tímidos todo o tempo – o que na realidade não acontece. Fatores biológicos são imutáveis (como a cor dos olhos, estatura, etc.), mas fatores condutuais não. Você mesmo(a) caro(a) leitor(a) já deve ter experimentado a sensação de ser bastante inibido em uma determinada situação social e ser bastante expansivo em outra. Eu, por exemplo, posso enfrentar uma platéia de 1.000 pessoas quando dou palestras e conferências, sem nenhum constrangimento, mas algumas vezes fico constrangido de entrar em uma loja e perguntar o preço de uma mercadoria a um vendedor ou de entabular uma conversação em uma festa na qual não conheço ninguém – nestes momentos sinto-me tímido. Então eu pergunto: em qual classificação de temperamentos eu me enquadro?
Prefiro entender que a timidez, como qualquer outra conduta social, é resultado da interação de vários fatores e que se manifesta nas inter-relações, que são diferentes em cada caso.
Finalmente uma palavra sobre o que fazer para quebrar as polarizações e reequilibrar o sistema, evitando que haja “tímidos” e “expansivos”, mas que haja um pouco de cada em todos. O primeiro passo é renunciar as posições polarizadas.
As pessoas expansivas devem dar espaço para as menos expansivas de se manifestarem. Isso às vezes pode ser difícil, ter que agüentar o silêncio do outro em oposição à nossa ansiedade de falar e resolver rápido as coisas. Por outro lado sair do comodismo de ficar quieto e reivindicar seu espaço de manifestação também exige um esforço. São processos longos de aprendizado, mas que conduzem a um melhor ponto de equilíbrio – pelo menos onde as pessoas vão estar mais próximas umas das outras neste equilíbrio. E no final é isto que importa: QUE ESTEJAMOS PROXIMOS UNS DOS OUTROS, solidários e capazes de transmitir afeto e calor humano.
Lembrando sempre que podemos contar com a força sobrenatural do Espírito Santo que nos capacita a extrairmos forças para as mudanças de onde não temos forças! Que a graça de Deus nos habilite a mudarmos para termos famílias e sermos pessoas mais equilibradas.
Carlos “Catito” Grzybowski – Psicólogo e Terapeuta Familiar,
Coordenador Geral de EIRENE do Brasil www.eirene.com.br.
Escritor dos livros: “Pais santos, filhos nem tanto”;
“Como se livrar de um mau casamento”;
“Macho e fêmea os criou” e “De bençãos e traições”, Editora Ultimato.
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